Pelo diálogo: o filosofar e a partilha... , de autoria de Hyllan Pedro
Vamos iniciar nossas reflexões, investigações e um filosofar vivo com um texto de Fernando Pessoa, que justifica muito bem a necessidade do dialogo sempre:
“Encontrei
hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um
com o outro. Cada um me contou a narrativa de por que se haviam
zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões.
Ambos tinham razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que
um via um lado das coisas e outro um outro lado diferente. Não: cada um
via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um
critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e
cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência
da verdade.”
O diálogo que leva ao filosofar e à partilha de pensamentos e
reflexões precisa questionar que tipo de atitude estamos realizando
quando conversamos.
Vamos pensar como entendemos e praticamos o diálogo? É como:
- Competição ou cooperação?
- Arena ou ágora?
- Patriarcal ou matriarcal?
- Totalitário ou democrático?
- Pirâmide ou rede?
- Negação ou aceitação do outro?
- Esperteza ou competência?
- Utilitário ou convenção?
- Linear ou complexo?
- Discussão ou debate?
Vivemos numa grande crise do modelo civilizatório. Há a defesa dos
modelos de comportamento e exaltação de valores que vêm da estrutura
mecânica da organização social. Temos então, valorizado pela
tecnociência: a hierarquia, o controle, a estabilidade, o
individualismo, a competitividade, o levar vantagem, a sobrevivência,
etc. Essa forma de viver tem desencadeado enormes problemas. Os mais
graves talvez sejam a exclusão social e econômica que atinge
aproximadamente dois terços da população mundial; assim como as
mudanças climáticas que ameaçam toda vida na Terra.
Toda crise coloca em perspectiva um novo caminho e um novo paradigma,
com novos conhecimentos, valores e padrões de comportamentos. Há quem
afirme que vivemos uma crise de significado ou “doença do pensamento” –
expressão colocado pelo físico quântico David Bohm.
A saída dessa crise? A prática do diálogo para superação dos problemas
atuais e resgate da convivência entre as sociedades, relacionamentos
mais consistentes entre as pessoas.
Estamos filosofando, investigando, dialogando e partilhando o que nos é
mais essencial – nossa essência enquanto pessoas. Por isso somente
pelo diálogo é que:
- podemos conhecer as muitas maneiras pelas quais nos interligamos;
- entendermos que integramos uma única realidade compartilhada;
- percebermos a natureza contínua das mudanças que ocorrem à nossa volta;
-
compreendermos o significado daquilo que pode parecer uma desordem.
Assim com e pelo diálogo poderemos ver os grandes padrões e pensamentos
que permeiam nossas vidas cotidianas;
- construirmos a Comunidade de Aprendizagem Investigativa (C.A.I.), em sala de aula.
O que precisa haver para que aconteça o diálogo?
Esse exercício de colocar-se “com” os outros requer o desenvolvimento de capacidades e atitudes como:
- deixar de fazer julgamento;
- aprender a ouvir;
- colocar-se em uma postura reflexiva
Como fazer que em todas as nossas aulas o diálogo aconteça?
Algumas atitudes e comportamentos para que a conversação entre nós
seja mais criativa e transformadora. Para que com o diálogo possamos
formar cada vez mais a C.A.I. em nossa sala de aula:
·
Pensar e desenvolver o diálogo sob ideias e aprendizagens
compartilhadas, possibilitando diversas respostas e colocações
criativas.
·
Aprender a ouvir sem resistência, principalmente os pontos de vista
discordantes, assimilando os significados das palavras ditas.
·
Perceber que a necessidade de resultados pode levar o diálogo para um
único resultado e, desta forma, restringir o poder de criação pelo
diálogo.
· Respeitar as diferenças entre os participantes, isso não pode separar as pessoas.
·
Entender que os papéis e status dos participantes no diálogo não podem
impedir de ouvir e falar abertamente, valorizando assim a contribuição
das pessoas.
·
Compartilhar responsabilidade e liderança no grupo, de modo que todos
sejam estimulados a ouvir e falar, garantindo a participação.
· Falar ao grupo todo.
· Participar, quando estiver realmente confiante, pois sua contribuição será útil ao grupo.
·
Expressar o que sente e imagina no momento, prestando atenção aos
pensamentos dos demais participantes, para buscar ir além da compreensão
do grupo.
·
Encontrar o equilíbrio entre o questionamento e a defesa. Ambos são
necessários para a sustentação do diálogo e a busca do significado
compartilhado.
Pelo diálogo é que filosofamos, refletimos e partilhamos um pouco de
nossas verdades, para estarmos abertos às verdades dos outros. Assim
ampliamos a nossa compreensão da realidade e construímos um novo
pensamento, capaz de atender às nossas necessidades individuais e
coletivas.
Na Comunidade de Aprendizagem Investigativa (C.A.I.)
surge, pelo diálogo, uma nova inteligência e ação coletiva.
Vamos fazer em sala um júri simulado ou uma prática filosófica sobre a pergunta:
- Os pais devem ou não deixar os filhos adolescentes saírem com a turma nas noites de sábado?
Certamente
esse tema pode gerar muita polêmica. Nessa atividade ninguém escolhe o
lado, e terá que defender a posição que cair para o seu grupo. Caso
alguém caia no grupo que defende a posição contrária à sua convicção,
terá que defendê-la mesmo assim. Essa é uma maneira para treinar nossa
habilidade de argumentação. Essa prática em argumentar é denominada
prática forense (forense = fórum, tribunal), que é a defesa de alguma
ideia, como os advogados fazem. Contudo, é justamente esta conotação de
jogo e de disputa que distingue a prática forense da prática
filosófica. Vamos ver o quadro abaixo e refletir sobre as diferenças:
Prática Forense (=júri simulado)
|
Prática Filosófica (=Comunidade de Aprendizagem Investigativa)
|
1. Há uma busca da invenção daquilo que é o certo.
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1. Há uma busca da descoberta do que é o certo.
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2. É um jogo. Portanto há o desejo de ganhar do outro, não se importando com a verdade.
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2. Não é um jogo. Portanto não há competição. Aqueles que não pensam como eu me enriquecem.
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3.
Defende-se o lado para o qual fomos designados, não importando qual
seja ele, ou se este lado combina com nossas convicções pessoais ou
não.
|
3. Procura-se o compromisso com a verdade dos fatos.
|
4. O compromisso maior não é com a verdade, mas com a defesa de ideias estabelecidas anteriormente.
|
4.
Não há compromissos cegos com a defesa das ideias preestabelecidas.
Se os fatos comprovarem o contrário do que se pensava, muda-se de
ideia.
|
Agora é hora de escolher entre a Prática Forense ou a Prática Filosófica para depois registrarmos as ideias sobre a pergunta:
- Os pais devem ou não deixar os filhos adolescentes saírem com a turma nas noites de sábado?
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O que vem a ser “discussão”?
– O método de comunicação mais encontrado nos relacionamentos humanos. Vem do latim “discutere”,
que significa fragmentar, reduzir a pedaços ou quebrar em partes. A
internet está repleta de “fóruns de discussão”, muito embora em alguns
casos os participantes queiram mesmo é praticar o diálogo. O uso
inadequado da linguagem vem dificultar nossa capacidade de percepção da
realidade complexa que nos cerca.
Diálogo
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Discussão/Debate
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Ver o todo entre as partes.
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Desmembrar questões e problemas em partes.
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Ver as ligações entre as partes.
|
Ver distinções entre as partes.
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Questionar pressuposições.
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Justificar/Defender pressuposições.
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Aprender por meio de questionamento e revelação.
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Persuadir, vender e dizer.
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Criar significado compartilhado por muitos.
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Chegar a um acordo sobre um significado.
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O que queremos nas aulas de filosofia e na Comunidade de Aprendizagem Investigativa?
–
Pelo diálogo como um método de reflexão conjunta, conseguir a
observação compartilhada da(s) experiência(s) para ampliar a limitada
compreensão individual de mundo. Em outras palavras, a maneira como eu
vejo é uma perspectiva única de uma realidade mais ampla. Posso ver com
os olhos dos meus colegas, e eles podem ver com os meus, assim cada um
de nós verá algo que talvez não veria sozinho.
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* Introdução do Livro - Somos cidadãos reflexivos: filósofos por natureza - 9º Ano. 7ª Ed., Coleção Novo Espaço Filosófico Criativo, 2010.________________________
Fonte: Soisoli.blogspot.com
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